Sob uma perspectiva estritamente objetiva da ocupação do solo, o programa de pouco mais de 5.000m2 se desenvolve sobre um terreno de pouco menos de 1.400m2, que permite a utilização de quase 1.100m2 de área de projeção e verticalização restrita a 6 pavimentos, distribuídos em uma altura máxima de 27m. Somente com a materialização desses dados, ainda que a taxa de ocupação seja de generosos 80%, o volume conformado já se prenuncia como um elemento de massa, um bloco monolítico que se encrava em uma área urbana que hoje se caracteriza por um perfil uniforme e horizontal. Adicione-se, então, a particularidade de o terreno possuir em seus limites uma pequena edificação de 60m2 e valor histórico e cultural reconhecido pela memória local, escoltada por dois exemplares ainda jovens de Araucarea angustifolia, uma conífera símbolo da região Sul do Brasil que se destaca por alcançar alturas de quase 40 metros e viver por mais de 200 anos.
Diante de tão contundentes condicionantes, a edificação parece já estar destinada a se submeter aos seus parâmetros funcionais, assim como a se chocar com os tecidos urbano e sociocultural nos quais se insere. Então, de súbito, surge a pergunta: para que serve uma universidade?
Uma universidade serve para modificar um todo pela força do intelecto de suas partes. E para fazê-lo não de maneira exógena, mas por meio do cultivo das sementes nela plantadas por um mundo que anseia por mudança. Feito pinhões fincados no solo por pássaros azuis, da sublimação de tão duras restrições nasce a ideia capaz de transformar um bloco intrusivo em um marco na paisagem, um muro opaco em uma linha de visada, uma montanha de concreto em um refúgio sob araucárias.
Foi justamente da alta taxa de ocupação do terreno que nasceu o desejo do edifício de se liberar ao máximo de sua pegada no solo. Para além de um obstáculo, o edifício abre um eixo de passagem em seu interior e liga a parte alta do centro histórico, a Praça Capitão Pedro da Silva Chaves e a Igreja da Matriz, com a sua parte mais baixa, o antigo prédio da Prefeitura e a Avenida Júlio de Castilhos. No meio do caminho entre esses dois polos, no meio do edifício da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – Unidade Hortênsias, nasce o ponto focal desta proposta: a praça da Universidade. Ao lado da edificação de importância cultural para a comunidade, sob a luz filtrada na grimpa das araucárias, lá os estudantes se esquentarão no calor do sol de inverno enquanto trocam ideias de como se é possível – e, sim, é possível – mudar o mundo. Afinal, para que serve uma universidade?
A Praça das Araucáreas, para além de ponto de encontro entre o estudo e o descanso, entre o público e o privado, entre o velho e o novo, entre a memória e o sonho, desempenha também papel fundamental nos sistemas espaciais desta proposta, na medida em que proporciona espaço de descompressão entre escalas tão diferentes. Essa função não é, contudo, desempenhada pelos tradicionais e artificiais elementos da Arquitetura – pedra, aço, paredes e tetos –, mas pelo seus singelos opostos: o vazio e a natureza. Neste ponto, a proposta chama à atenção outra pedra fundamental da Arquitetura: o tempo.
A proposta considera as condicionantes presentes, certamente, mas na medida em que entende e projeta a importância destas diretrizes ao longo de décadas futuras – quando os dois ora jovens pinheiros ainda estiverem sobre este chão que já não mais terá conhecimento nenhum de nós –, busca alcançar a essência do lugar. Os dois pinheiros foram mantidos no terreno justamente para que no futuro, como os legítimos donos da terra que de fato são, acomodem e harmonizem as interferências dos homens deste passado com os daquele presente. São pontes entre gerações. Não é para isso que serve uma universidade?
O conceito da praça foi então transposto para a parte superior da edificação com a criação de um terraço, o Terraço de São Chico, que com o seu vazio materializa o elo entre os dois blocos desta proposta – o bloco docente e o discente. Assim como o Homem Mínimo de Paola, o terraço pode tudo justamente por não ter nada e, assim, abre vista da antiga Prefeitura para o pináculo da Igreja da Matriz, ao mesmo tempo em que carrega em seus ombros os jovens que um dia construirão as pontes entre o secular e o sagrado. Afinal, não é para isso que serve uma universidade?
O bloco sul, docente, é alto, estreito e fechado, como uma lembrança de que não são muitos os que desempenham o sacerdócio da sala de aula, pois árduo é o caminho e poucos são os qualificados para exercê-lo. O bloco norte, discente, é igualmente alto, mas largo e aberto, como devem ser os espaços destinados a abrigar o maior número possível de pessoas que, ao buscarem transformar as suas vidas, acabam por transformar um País. Pois, sim, não é para isso que serve uma universidade?
Na face oeste desse conjunto de cheios e vazios, de concreto e de sonhos, a Rua José Bonifácio é fechada aos carros e aberta às pessoas, minimamente marcada em seu piso por desenhos de pedra portuguesa que orientam a sua ocupação e dirigem o fluxo à entrada do edifício. Por sobre os tablados de madeira espalhados sob a sombra de árvores e sobre o piso de concreto, serranos usufruem o espaço público a eles devolvido e olham, riem e se emocionam, embalados em sessões de cinema projetadas nas paredes cegas do edifício da UERGS, em um dos muitos usos espontâneos que este espaço pode oferecer. A rua fechada transforma-se então em proposta aberta de ocupação, num ato genuíno de civismo e de democracia, afinal, é para isso que serve uma universidade.
A Arquitetura é muitas vezes entendida como obra estanque, haja vista que a sua materialidade remete a elementos sólidos, estáticos, e a sua simbologia é construída para refletir o espírito de seu tempo. Antagonicamente, o ato de habitar e, por que não, o de ensinar e aprender, precisa ser aberto e fluido, flexível e adaptável. Esta proposta pretende, então, justapor esses dois opostos por meio de escolhas sólidas e perenes para as envoltórias – o abrigo do corpo e da mente –, enquanto define a disposição interna de seus ambientes da maneira mais aberta e efêmera possível – a fluidez e a liberdade da mente e do corpo.
Desse modo, o ambiente acadêmico se define por salas de aula dispostas para o nascente, desnudadas em panos de vidro que se revestem de uma pele metálica extrudada que confere privacidade ao mesmo tempo em que permite a chegada do mundo exterior para dentro do local de aprendizado, sem ofuscamentos e significativos acréscimos de carga térmica ao ambiente. Em uma camada adicional de proteção, as aberturas desses espaços são protegidas por generosos beirais que se transformam, ao nível do piso das salas de aula, em largas jardineiras que atuam como filtros de poeira e catalisadores da qualidade do ar.
O espaço educacional, contudo, é também – e principalmente, até – definido pela conformação do espaço externo às clássicas salas de aula, em um entendimento de que o pensamento crítico, a criatividade e a capacidade de solução de problemas exigem espaços fluidos e dinâmicos, nos quais o estímulo, a interação e a casualidade possam ser mais bem fomentados.
Dessa maneira, a circulação nos pavimentos de ensino tem o mesmo papel de destaque conferido às salas, pois ela representa cerca de 40% do espaço total do pavimento e abriga casulos que permitem diferentes modalidades de interação presencial e virtual, de concentração e de relaxamento, de convívio e de networking. Também do ponto de vista sanitário, sobretudo após a pandemia de Covid-19, essas circulações amplas e ventiladas são muito bem-vindas, pois servem de contraponto à aglomeração típica desses espaços internos.
A pandemia do SARS-CoV-2 e a resposta tecnológica dada a ela no âmbito educacional também atuaram na conformação dos ambientes de ensino. Para além das exigências de programa, que já delineava a necessidade de um estúdio de gravação de conteúdo audiovisual, a proposta traz também um espaço multiuso descoberto, que proporciona alternativa ao ambiente comum a esse tipo de atividade por permitir que as produções possam ocorrer também a céu aberto, em uma conexão maior com a temática de muitos dos cursos iniciais da UERGS – Unidade Hortênsias.
A interatividade e o novo paradigma híbrido trazido pelas novas tecnologias foram também pensados em seu polo oposto, o da absorção do conhecimento, que é também proporcionado pelos casulos implantados nas áreas de convivência, que expandem os horizontes de interação e permitem convívio com situações, assuntos e pessoas não fisicamente presentes.
Outra característica marcante desta proposta é o entendimento das questões relativas à acessibilidade e à sustentabilidade sob uma perspectiva mais abrangente. Para além do obrigatório cumprimento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em combinação com as normas de segurança contra incêndio e pânico, pretende-se enxergar a questão pelo prisma da inclusão, do desenho universal e da tolerância ao erro. Não obstante as já conhecidas e naturalmente empregadas soluções de mercado na área de sustentabilidade e eficiência energética – como sistemas de aproveitamento de águas pluviais e de águas de reuso, painéis de captação solar e tantas outras –, esta proposta se concentra em um desenho que permite um desempenho mais eficiente do ponto de vista de consumo energético, por meio de um correto tratamento de aberturas, considerada a orientação das fachadas, em combinação com o largo uso de beirais de sombreamento e de telas metálicas microperfuradas.
Ademais, esta proposta traz à discussão ainda o conceito de sustentabilidade social ao procurar privilegiar técnicas e materiais de construção locais em seu caderno de especificações, o que diminui o emprego de energias poluentes por ocasião da diminuição de sua matriz logística ao mesmo tempo em que permite a retenção de empregos e renda na região, assim contribuindo para a melhora nos índices de desenvolvimento humano e, consequentemente, para a maior adesão à cultura de preservação socioambiental.
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