Menu

Azul de Plástico

Início / portfólio /

Azul de Plástico

Paráfrase de Look Mummy, No Hands: Fascinating Aïda (Adèle Anderson & Dillie Keane), 1997.

Para Neusa Cavalcante.

Compartilhar

Lembro-me do cheiro azul de plástico recém esticado. Lembro-me de você e lembro-me de mim, assustado entre pranchas e banquetas, entre pessoas e projetos. Do ponto à linha, da linha ao plano, do plano ao volume, lembro-me de você sempre a puxar-me pela mão, direto ao coração do fazer Arquitetura. Lembro-me da sua reverência para com o método, assim como lembro-me de minha displicência em adotá-lo.

Quão descuidados somos quando jovens.

Alguns anos depois e já conhecia o mundo todo, tão mais complexo que podia conceber a simples mecânica geométrica com a qual você tão cuidadosamente me encaminhara. Agora que sabia tudo, perguntava-me apenas por que não o soubera antes. Eu, embebedado em análises fenomenológicas relacionadas à apreensão de objetos autorreferentes, e você, em algum lugar, ainda do ponto à linha, da linha ao plano, do plano ao volume.

Quão implacáveis somos quando jovens.

Agora, com muitos anos passados e diante de jovens iguais ao que eu há tempos fui, sinto-me imensamente só. Devaneio em lhe seguir pelas vísceras do fazer Arquitetura, mas a sua mão não está mais ao meu alcance. Lembro-me de que costumava esconder meus desenhos de você, agora lhe procuro em cada um deles. Sou o adulto agora e, talvez justamente por isso, o criar me seja tão difícil. Pego, então, o carvão como você tão bem me ensinou, sempre do ponto à linha, da linha ao plano, do plano ao volume. Olho-me nas mãos sujas de fuligem e de tempo e, somente agora, entrego-me numa lágrima.

Quão insensíveis somos quando jovens.

Ensaio produzido para o livro Geometria Construtiva – formas esperando virar Arquitetura, publicação da Viva Editora, realização da Universidade de Brasília – UnB, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – faunb, e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal – CAU/DF.

* * *