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A Queda de Atlas

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A Queda de Atlas

ESTÚDIO MONADA
Instalação na Plataforma da Rodoviária, Brasília, DF, 2023

Atlas, imortal filho de Iapetus e Clymene, irmão de Prometheus, fora banido para o extremo oeste do mundo, condenado por Zeus, após derrota na sangrenta Titanomaquia, a suportar sobre seus ombros os céus por toda a eternidade. Ao segurar o universo, Atlas cumpria seu castigo perante o olhar das Híades e Plêiades, filhas tornadas estrelas que, de longe, testemunhavam o seu suplício. Com o impassível rigor da eternidade, o fardo arrasou-o por completo. Caía, extenuado, o mais forte dos titãs.

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Apesar de seu colapso, o firmamento continuou acima de sua cabeça, como por certo sempre estivera. O que carregava Atlas, então?

Atlas sustentava tão somente o peso mental e emocional de uma responsabilidade que fora levado a crer que possuía, castigo de Zeus não para seu corpo, mas para sua mente. O titã fora derrubado justamente por não perceber a verdadeira carga que lhe fora imposta.

O mito de Atlas espelha a condição contemporânea de sofrimento psíquico causado pela sobrecarga de ocupação e cobrança. Sob essa perspectiva, não há possibilidade para a descontração e a vida se torna vazia de prazer contemplativo, uma fantasia de sofrimento constante sob uma gravidade despropositada e descomunal.

Na Anatomia, Atlas também é o nome da primeira vértebra da coluna cervical, portanto curioso e revelador é o fato de que a única carga que o elemento ósseo realmente carrega é o peso de nossa própria cabeça. Em um contraponto à insustentável leveza de Kundera, existiria também uma espécie de volátil peso da existência, algo que de tão insuportável se faria, de fardo, bálsamo?

Cravada no coração de Brasília, no cruzamento dos dois eixos do gesto primário de Lúcio Costa, nasce a peça de aço e concreto, um origami de 13 metros de comprimento e 10 toneladas que parece levitar sobre a Plataforma da Rodoviária, presa ao solo por apenas um conjunto de sete fios de aço, em uma ilusão óptica que faz crer o observador que esses cabos não sustentam o objeto, mas simplesmente o impedem de desgarrar-se do chão rumo aos céus.

A intervenção pretende não só materializar o desmesurado peso da contemporaneidade a levitar sobre nossas cabeças, mas também abriga sob a sombra de sua massa um pequeno conforto: um singelo balanço que convida os passantes a transformar a carga de suas rotinas em embalo e devaneio.

A obra não conta com instrução alguma, de maneira a instigar o observador a descobri-la de maneira individual e particular, desviada de qualquer sentido pré-concebido. Mesmo para o balanço não há informação, de maneira que caberá a cada um a decisão de experimentá-lo, como nos Bichos de Lygia Clark.

Intrigante reação essa, diga-se, que leva alguém a se pendurar em uma peça que, por sua vez, está também pendurada em algo massivo e que parece não se pendurar em lugar algum. Se sublimado todo o conceito em um só ato, este instante do usuário compreenderia em si todo o propósito da experiência.

Assim, por meio da contraposição entre peso e leveza, entre gravidade e flutuação, entre mundo externo e universo interior, entre opressão e liberdade, esta grande dobradura de concreto e aço se pretende um libelo em favor da saúde emocional em uma época em que as enfermidades mentais ligadas ao estresse não param de se expandir, quadro esse ainda agravado pelas consequências psíquicas desencadeadas pela pandemia de Covid-19 e sua desastrosa gestão em nosso País.

Nesse contexto, a intenção de A Queda de Atlas é materializar-se como um vetor simbólico das políticas públicas ligadas ao tema que estão hoje em processo de implementação. Para tanto, a obra precisa relacionar-se com o mais amplo público, de maneira não mediada, a fim de que as experiências dos observadores sejam particulares e sobretudo legítimas. Pela Plataforma da Rodoviária passam diariamente mais de 700.000 pessoas, o que faz dela o ponto ideal para a inserção da obra na paisagem urbana da capital federal.

Mais que simplesmente um conjunto equilibrado de forças, ou uma escultura, ou um objeto arquitetônico, ou ainda uma intervenção urbana, A Queda de Atlas se define como um lançamento estrutural a serviço da criação de um objeto plástico que, por meio de sua interação com os usuários, reveste-se de sentido subjetivo e se torna uma ferramenta conceitual de aplicação de políticas públicas, ao mesmo tempo em que se afirma como signo cultural ao materializar o espírito dos (insanos) tempos em que foi criado.

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